sábado, dezembro 09, 2006

Amor

O contraste do fim do mundo é o contrario de sentir na pele cada gota correndo fácil ao ponto que evapora e o momento passou. Cada olhar será guardado na memória, ou não. A música bateria mais forte se eu fosse ouvido, mas ainda bem que todos os sentidos apurados celebram. Mentiras que inventamos para poder conversar. A realidade nua e crua não flui.
Moldados ao molde da sorte, grande seria se achasse amor eterno nos olhos fugazes e talvez até já tenha passado.
Melhor seria se o mundo fizesse carinho na medida certa e os momentos de choro não se confundissem tanto com os de suor. Metades são muitas, gana dividida.
Só sei que sei pouco mas gosto muito.

domingo, novembro 26, 2006

Mãos

Dispenso os galanteios do destino. Seguro as rédeas com tanta força que chega a sangrar. Olho atenta cada curva, sempre à frente. Desisti do barco na correnteza nem sempre amiga. Remar me cansa os braços, mas é necessário para me tornar humana.
Somos a raça do exagero, do drama e do amor. Somos diferentes do resto e no entanto o instinto sobrevive. Tenho que dominar o cavalo que deseja correr livre fogoso.
Não posso admitir que eu, humaníssima, serei controlada pelo meu animal . Há que se adestrá-lo. Matá-lo, nunca.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Vida

Cada momento um sentimento ocorre mais ou menos intenso. Ainda agora eu estava a sorrir e sentir a música. Dançava e cantava.
Num súbito o mundo escureceu e o sol mergulhou nas profundezas. Caí. Estou aqui agora num sentimento médio tentando lidar com as coisas.
A razão é salvadora do sofrimento. Só ela está lá precisa e matemática. Ela é constante, movimento uniforme que não pulsa. Apesar de tão sem graça ela faz coisas incríveis. Preciso recorrer mais à ela.
Sou um rio que corre direto sem pedir licença. Atropelo as pedras que insistem em mudar o rumo. As vezes empoço e odeio quando isso acontece.
Desembesto sem arreio e nem sempre é bom. Mas quando é, ninguém segura.
Sábio é o vira-lata, que desconfia até quando lhe oferecem comida. Sábia é a criança, eternamente buscando o doce.

Solidão

Sem poesias e palavras doces. Nada. Acabou. Ela não suportava mais abrir concessões e estava tomada por um amor próprio que doía de abrir mão. Ela olhava a cena e sentia um desgosto de ter sentido amor.
O sangue que rola ficou turvo e o peito fechou. Fechou de ódio e de uma auto piedade que a fez buscar o silêncio. As distrações que buscou findaram logo.
O barulho do ar condicionado era constante e o quarto estava sozinho. Sozinha era a lembrança de sempre, por mais que houvesse pessoas durante todo esse tempo. A ilusão da companhia havia acabado. Ela odiava com força mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
O sentimento de perda doía mas ela havia feito escolha. Pensava em si mas a confusão espalhava na sua cabeça.
Doía uma dor suave. Não era nada demais, mas ver uma possível estrela fugir dessa forma, por escolha dela mesma, ou talvez por não entender como se faz um coração, doía.
Logo ela desejada desejava o objeto errado. Ela e a humanidade, que havia descoberto gostar do descaso. Tinha cansado de brincar de caça ao tesouro.

domingo, outubro 01, 2006

Lua nova

Ela estava começando a gostar de caminhar sozinha. Um filho agora seria corrente. Num surto de maternidade pensava nos olhinhos e na mãozinha prendendo em seus dedos. Pensava na Europa. Pensava nas noites de loucura e nas irresponsabilidades que ainda queria fazer. Pensava nas dobrinhas de carne nova, mas não conseguia odiar, só um pouquinho.
Já sabia que a distancia entre um beijo e uma vida era muito pequena. Já sabia, sempre soube, mas a correnteza era tão forte e tão adorável que pra se jogar não custava. Ia custar caro agora, talvez.
Pensava no tempo entre uma coisa e a outra, entre o status quo e o novo estado das coisas. Era um momento, sem alarme.

sábado, setembro 23, 2006

Escuro

Eu prefiro esquecer que o Rio existe por enquanto. Os objetos mais amáveis devem ser encobertos com panos brancos porque qualquer visão de um passado recente pode machucar.
Os olhos dela me fazem chorar. É melhor então que eu esqueça que exista, mas como ela existe! Como me arrebata o corpo todo a cada mínima memória jorrada nas sinapses de meus neurônios já confusos. Sigo na contagem regressiva, mas está longe.
Coleciono novas lembranças, muitas tem lugar certo na gaveta do esquecimento. Admiro a capacidade humana incrível de enterrar as coisas ruins. Há que se lembrar das coisas boas, mas justamente agora preciso esquecê-las.
Uma foto familiar me traz um sorriso seguido de aperto, o amor tem maneiras estranhas de se manifestar.
Viver é arrumar novos motivos pra rir e pra chorar.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Orvalho

O que seria do ego se a paixão fosse mais forte que o desprendimento? Respirava fundo e aspirava todo o cheiro de quem era a bola da vez. Um novo amor era mata borrão.
Sentimentos antigos eram rapidamente substituídos pela mesma coisa só que com outra pessoa. Ela mergulhava.
A cada passeio na montanha russa tudo se tornava um pouco mais previsível, mas os beijos eram sempre rodamoinho. Se deixava tocar e abria cada poro.
A conversa era música e os momentos eram tão agradáveis que ela esquecia do resto. Era bom o suficiente para deslocar o eixo.
Ela desejava sem saber que ia passar.

domingo, agosto 27, 2006

Por favor é o caralho

Ela prendia os cabelos num rabo de cavalo baixo e sentava na última fileira. Rezava para a professora não lhe pedir que respondesse nenhuma pergunta na classe. Não que não soubesse, ela sabia até demais, mas qualquer movimento que trouxesse holofotes era perigoso.
Ela se escondia e tinha medo. Medo das pessoas que cresciam como monumento.
O problema é que por isso mesmo cada vez que sua voz era ouvida todos se voltavam para ela. Ela odiava. Tinha medo de falar besteira e ser crucificada.
Aos poucos foi surgindo a raiva do medo.
O problema é que a raiva não mata o medo, mas já era alguma esperança para aquela pobre alma cujo corpo apagado não comportava.
Ela se comportava demais de maneira que qualquer decote era visto como ofensa. Ela era assunto. A raiva do medo se transformou num invólucro de angústia que não arrebentava por mais que ela racionalizasse.
Tinha certeza que a razão era anã perto das emoções, um muro que escolhe se a inteligência vai atravessar ou não para o outro lado.

Um dia ela resolveu tentar. Queria viver, caramba! Passar por essa vida em tons de bege já era inaceitável. Era difícil, a voz que cantava gagejava mas ela cantava assim mesmo. Falava besteira e os outros não riam, era horrível, mas passava.
Vestiu mil personagens até se cansar de encenar e não saber mais quem era. Descobriu que tudo que ela criava tinha que ser de alguma forma seu, e isso lhe deu algum alento.
Ela pedia desculpa quando acertava e os elogios eram muito desconfortáveis.

Por quê meu Deus!

Porque viver num mundo pedindo licença! Por que cobrar juros tão altos por respirar, isso não era privilégio seu.
Queria que o ar fosse mais doce e leve. Porque inventar tanto peso pra carregar? Os pesos de verdade haveriam de vir e vieram. Queria criar músculos.

terça-feira, agosto 22, 2006

O meu amor mais sincero

Só o barulho do ar condicionado e eu pensando nela. Um novo cotidiano de monastério workaholic me anestesia, mas não completamente (graças a Deus). Ela é linda, nunca vou saber se me ama, mas sei que fica feliz ao ouvir a minha voz.
A saudade aperta como uma coisa boba. O quarto não é meu. Tento colar fotos na parede para me sentir mais em casa.
Não estou sozinha, isso nunca. Talvez eu tenha medo de ficar sozinha.
As coisas que amo gritam muito mais agora. Como elas me fazem falta. Acho que saudade é amor doído.
É o preço por poder dar a meus olhos tantas coisas novas e boas. Boas novas.
Tudo está mais estático que o normal. Como um plano que pede para ser cortado, mas perdura na tela de cinema.
Hoje faz treze dias.

quarta-feira, agosto 16, 2006

O jogo

Ele poderia ser seu pai, mas ainda bem que não o era. No seu dedo reluzia o anel dourado da discórdia. Era sua sina, ela pensava. Talvez isso acontecesse porque os machos alfa eram muito cobiçados. Ele olhava.
Ele ficou surpreso com a sua idade e ela sabia que isso era deleite para os homens de quarenta, a idade da motocicleta.
O filme reprisava. Começavam as piadinhas de início de intimidade e os contatos corporais forçados. Eles tateavam.
Ela imaginava como seria. Um corpo ainda não descoberto era sempre interessante.
O raciocínio assinalava perigo constante de se deixar levar pela correnteza errada.
Ela brincava. Gostava de brincar e sabia que podia cortar um dedo, ou cair ao escalar um brinquedo muito alto.
Parecia que havia se viciado na energia da conquista, as duas freqüências pairando no ar tentando se comunicar.
Ela aproveitava porque sabia que tudo era bom antes de chegar ao coração.
Tinha um coração aventureiro e por mais que já houvesse entrado em trilhas erradas a curiosidade de saber onde ia dar era mais forte.
O desejo superava a culpa. Sempre.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Além de tudo


Um tudo saía de meus olhos e pintava a paisagem, com pincéis de penugem macia e carinhosa. O dia estava lindo e a lua já havia chegado pra observar que um cenário tão comum virava sonho. Corri. Minhas pernas bambearam, mas eu só pensava no horizonte que me carregava como cegonha. Mergulhei.
Depois de bater muito rápido e muito forte o coração pacificou. Estava parado no tempo. O mundo parou pra eu observar cada detalhe. O mundo parou e meu mundo agora era o Mundo. Eu respirava e a vida entrava pelos poros.
Abri os braços e senti minha pele tocar cada gota d´água. Eu via tudo pequeno e o mundo me via grande. Eu amava e o amor encontrara tamanho.
Nenhum pensamento me ocorria. Meditava explodindo em adrenalina.
Perto do chão acabou. Soltei o cinto que me prendia à nave mágica racional.
Agora eu era. Eu era, e tinha certeza. Esqueçi Descartes e suas teorias. Eu apenas existia, além de tudo. Tudo era bom.

segunda-feira, julho 24, 2006

O espelho

Ninguém falava seu nome certo e ele urrava de dor e prazer quando isso acontecia, num sentimento de superioridade velada, já que ele não era um Silva. Mas ninguém sabia, pois todos os gritos eram internos de forma que na superfície havia uma camada de gelo espessa, num solo que nunca sofria tremores.
Era uma constante simpatia de dar raiva de não sofrer. Nos olhos apenas um pêndulo entre dois extremos. Era um macho aristocrata.
Dava desconfiança de ver. Talvez tudo fosse fachada, uma bela casa em estilo germânico com paninhos embaixo dos vasos geometricamente arrumados, numa equação cujo resultado era um movimento uniforme.
Tudo isso é porque perfeição causa estranheza já que no mundo não há forma que não seja maculada. Depois de paridas, todas as coisas passam por uma espécie de batismo que as arranha, mancha ou tira pedaço.
Ele disse que era pra eu me sentir à vontade e realmente a casa era aconchegante. Os objetos variados haviam sido estacionados de forma harmônica, numa habilidade típica de quem planeja tudo.
Precisei me aliviar fui ao banheiro, mas errei e cheguei no quarto. Ele tinha um espelho no quarto. Ele tinha um espelho e não era qualquer espelho. Era enorme e estava estrategicamente posicionado defronte o leito de sacanagens.
Fiquei feliz porque ele tinha um espelho. Ele agora era meu amigo, de verdade. Ele também pensava naquilo e poderia até ser confidente. Ele gostava de amar e se ver no espelho. Amava e olhava o espelho, isso eu tinha certeza!
Não tive mais receios e sorri.

sexta-feira, julho 21, 2006

Perdida

Ela perdeu um sonho que era sonho porque a realidade não permitiu que a ternura virasse acaso. Caso se perdesse no mundo, era só piscar e a bóia da salvação viria como uma luva. Mas a luva não serviu e prendeu-lhe a circulação. Perdeu. Perdeu, pensou a garota que não sabia direito se a vida era para ser tolerada em nota constante ou degustada sem distinção de sabores.
Amargo era seu peito que implodia num grito suave que só os mais atentos conseguiriam ouvir. Viu um sorriso, lembrou-se de como era quando feliz buscava nada. Agora que procurava um sentido coeso para a vida caótica ela não estava em pedaços, mas não sorria mais, só quando contavam piada.
A piada era que tudo começou num riso e acabou em choro, leve como pluma que voa aos ventos incertos e terminou certo como uma bigorna.
Não sabia se perdera ou ganhara, perdeu o parâmetro e se convenceu que já não tinha certeza.
No coração uma corda apertava num nó de marinheiro que quando se gostava já estava no próximo porto. Não sabia se virava massa de modelar no molde ou geléia em mãos de criança.
A impressão que tinha era que o sol continuava nascendo, mas cada vez mais apagado e os dias eram cada vez mais qualquer coisa. O rolo compressor da máquina produtiva tratou de deixá-la em transe por alguns momentos. Passava o dia a pensar em frutos mas a música de Bach lembrava que havia ainda água em seu peito.
Sofria para não deixar passar em branco.

segunda-feira, julho 17, 2006

Beleza

Ela era inesquecível como o episódio do Chaves em Acapulco. Ela dançava como quem zomba da vida com seus olhos cristalinos pedindo mais. Ia aos extremos sempre perdendo o equilíbrio.
A beleza latente disfarçava a armadilha que aqueles olhos guardavam para quem ousasse tocá-los com mais firmeza. Ela pirava.
Sabia fazer um elogio e isso era uma rede que pescava mais peixes que o necessário.
Dizia que estava infeliz, mas era só ímã. O ouvido que ousasse escutar as lamúrias de voz potente nunca mais seria o mesmo.
Luisa estava no mundo para cavar a terra úmida que guardava milhares de segredos. Não tinha medo de se jogar num poço fundo de água fria se soubesse que era doce. O problema era voltar à superfície.
Depois de tanto amor desabou num choro infantil, era realmente uma menina, só podia ser. Amargura era palavra desconhecida e ela queria um cigarro, mas não sabia tragar. Era um choro show de quem não podia perder o palco. Perdeu a graça. Deixei-a chorando quando o sol nascia, feliz.

sexta-feira, julho 07, 2006

Patricia

Sinto saudades, uma saudade suave como um carinho no rosto. Ela era tão diferente de mim e, no entanto, a gente se dava tão bem. Ela queria casar e fazia filó. Eu queria provar de tudo antes de me amarrar e não pensava muito nisso. Ela balançava a cabeça na horizontal ao ouvir cada nova história minha. Eu não entendia como aquela vida pacata entre tecidos, agulhas e o mesmo namorado de quatro anos poderia ser bacana.
Quando a conheci pensei que era rica, tão chique sabia combinar muito bem as roupas. Mas não era. Morava com os pais num apartamento pequeno e tinha internet discada. Ajudava nas contas. Não tinha armário, suas roupas ficavam expostas em araras coloridas.
A lógica da empatia é não ter lógica. Se ela me ligasse agora me pedindo para dar a volta ao mundo de um pé só, eu o faria, se isso fosse fazê-la sorrir verdadeiramente. Acredito que ela faria o mesmo por mim. Talvez não. Não importa.

segunda-feira, julho 03, 2006

Mais

Ela pegou uma carona na boléia de uma nave do tempo e estava tentando viver agora. Agora passava muito rápido, pensou ela. Agora agora agora agora agora, viu já passou. Agora era muito pouco tempo pra se fazer qualquer coisa. Ela precisava se agarrar a algo para não se perder no turbilhão de flores, frutos e animais que a rodeava. O mar era lindo, e as ondas duravam mais do que agora. A espuma branca brindava a vitória da onda sobre o tempo, elas sempre estariam ali.
A menos de um segundo para se tornar real, ela pensou que queria continuar dormindo, por pura falta de coragem. Era mais confortável viver no limbo dos sonhos e prazeres rápidos do que suportar as estranhas forças que movem a vida. Raiva e amor pulsavam no peito, tudo era tão intenso que seu corpo parecia um invólucro hermético prestes a explodir.
Desejava sentir todos os gostos que estavam tão fortes que dava uma aflição de ter pouca língua pra muito sabor.
Seu sentimento era maior que o mundo, um sentimento estranho que não havia fluído por nenhum canal conhecido. Parecia que raiva, amor, paixão, tédio, vida e morte tudo estava misturado fazendo com que ela não soubesse como sentir.
Esperou que passasse, e acabou passando, mas deixou em seu coração a memória de que em seu íntimo havia um poder terrível e amável de sede de engolir tudo.

quarta-feira, junho 14, 2006

A promessa

Estava em seu quarto e pôs-se a chorar.
Passaram meses e ela continuava ali, imóvel.
O nível da água já se aproximava de suas narinas e ela continuava inerte.
Demorou um pouco para perceber que já não respirava mais, até que engasgou com a água e tossiu com grande desconforto.
Era a primeira vez que se mexia desde então.
Nadou até a superfície, buscou o ar que ainda restava e submergiu até a porta, que abriu com um só chute.
Em segundos o quarto estava seco, salvo algumas pocinhas sobre o chão. Ela foi até a área de serviço, pegou um rodo e puxou cada gotinha na direção do ralo. Ela estava cansada.
Jurou que não beberia mais água, porque assim teria a certeza de nunca mais chorar.

sábado, maio 27, 2006

Chapéu-coco

Ela estava triste como já havia estado, mas não lembrava que a dor era tão ruim. A auto-estima estava microscópica. Ela já desconfiava, mas ver era diferente. Todos alertavam “ele é um cafajeste, sai dessa”. E justamente por isso ela estava tão apaixonada. Um boçal de pijamas e touca nunca a faria se sentir assim.
Tinha que ser loura, a vagabunda. E de cabelo comprido. Não queria saber se tinha olhos azuis para não aumentar seu ódio. Ela havia chorado a noite toda, acordou melhorzinha. Resolveu reagir e tocar a vida.
Saiu para correr porque queria ficar magra. Comeu uma refeição leve. À tardinha foi ao salão de beleza, pois para uma mulher não há nada melhor do que uma mudança no visual para alegrar os ânimos. Basta uma tinta ou um corte legal para nos sentirmos armadas até os dentes para enfrentar a vida. Pelo menos por uns dias.
Sentou na cadeira e pediu um repicado igual ao da atriz. Explicou direitinho pro profissional o que ela queria, mostrou a foto na Caras e fechou os olhos, pronta para sair dali outra mulher.
Quando olhou no espelho, que horror. Um volume horroroso no alto da cabeça e fiapos elétricos pendiam sobre o queixo, ela estava horrível. Irritou-se com a bicha e mandou ela ajeitar aquilo – “Fiz exatamente o que você pediu”, disse o rapaz. Com lágrimas crescendo nos olhos e um aperto na garganta ela pediu, num fio de voz trêmula. “Faça o que for preciso, mas conserte isso. Tá uma bosta, eu to horrível. Eu preciso ficar linda”.
Ele foi tesourando mas nada de ficar bom...ela estava profundamente irritada e já fazia especulações sobre o ódio ou inveja que a bicha devia ter das mulheres. A irritação crescia, isso era a pior coisa que podia lhe acontecer agora, a pior! E quanto mais ele cortava a situação piorava...
A bicha tentava melhorar a situação dizendo que tuuuuudo era fashion. Acabou com um curtinho à Elis Regina, que só ficava bem na Elis Regina.
Saiu arrasada, pagou a conta e não deu gorjeta. Virou a esquina e recebeu uma cantada de uma mulher.

domingo, maio 21, 2006

Dança da vassoura

Ás vezes batia a sensação de algo agudo e lento no peito, sem nenhuma explicação. Podia ser tudo e nada ao mesmo tempo. Uma desilusão, um amor para acontecer, a solidão física amenizada por livros e filmes. Ele estava sozinho.
Quantas pessoas sozinhas havia no mundo? Ele pensava para se sentir melhor...Quem sabe se ele fundasse o encontro mundial dos sozinhos? Mas os sozinhos eram sozinhos por alguma razão, não ia ser o fato de estarem juntos que os tornaria, os tornaria....qual seria o contrário de sozinho? Enturmado? Junto? Nenhuma dessas palavras soava tão forte quanto sozinho.
A nota aguda continuava a ressonar, não importa o que fizesse. De vez em quando ele se distraía e ela ficava mais branda, como se o maestro regesse um momento piano.
Essa era a questão, quem seria o maestro? Quem estava no comando? Não era ele, com certeza. Se fosse ele já não haveria mais agudo ou grave, apenas um grito estridente de alegria que perfuraria as casas, quebraria vidraças e anunciaria ao mundo que já não era mais sozinho.
Mas por que pensar no mundo? Porque era necessário que soubessem que ele não era sozinho, não bastava ele saber, sozinho?

Brilhante

Era um café, desses cafés cools de Ipanema onde a classe média folheia livros que nem sempre compra enquanto saboreia deliciosos capuccinos e biscoitinhos amanteigados. Chega a mulher de vestido vermelho, que vai mudar para sempre a vida do garoto de boné.
Ela pegou um livro na prateleira de sociologia e sentou-se muito sensual com seu salto anabella e suas argolas douradas.
Era um texto difícil, ela havia marcado discretamente a página em que havia parado. Sempre escondia o tal livro na seção infantil e torcia para que os vendedores não fossem meticulosos ao arrumar a loja.
Tinha uma beleza mediana e um carisma que fazia a Gisele Bündchen ter o charme de uma canja sem sal. Seus movimentos eram naturalmente friamente calculados.
Rodrigo estava no segundo período de Comunicação e passara na livraria-café para comprar um livro de sociologia. Não ligou muito para a moça de início. Ele era muito rico, herdeiro de uma empresa de construção naval.
Tereza tocava o café com o charme de uma gueixa, e isso o encantou o adolescente, tão acostumado ao jeito tumultuado das garotas de sua geração.
Não cabe descrever como Rodrigo, neste mesmo dia, matou aula e passou a tarde a conversar com a moça. O que aconteceu foi aquele velho e conhecido jogo de sedução covarde entre uma mulher e um garoto.
Ficaram. Namoraram. Almoçavam com a família (a dele, claro) aos domingos. De início, Tereza causou desconfiança nos pais de Rodrigo, pois era latente que ela não havia nascido em berço de ouro. Por mais que tentasse esconder, havia pequenos detalhes em sua roupa e no seu jeito que denunciavam que a finesse havia sido conquistada (e só ela sabia o quanto isso lhe custava). Logo a desconfiança se apagou. A moça era muito culta e desenvolta, falava sobre qualquer assunto, conhecia Europa e Índia, seguia todas as regras de etiqueta. Isso tranqüilizou a família de Rodrigo.
Era sábado, começo de noite. Tereza esperava por Rodrigo no lugar de sempre. Ele dirigia seu carro com vidros fumé quando foi interceptado por dois moleques. Um deles estava armado. Levaram o carro e fizeram o menino sacar uma quantia muito alta. Os seqüestradores pretendiam negociar, como comerciantes que jogam pro alto para vender num preço razoável, mas o garoto, assustado como nunca estivera, pagou tudo sem questionar.
Tereza cansou de esperar e foi para casa. Rodrigo voltou andando em estado de choque para seu apartamento. Ligou para a namorada, que respondeu chateada e nem quis saber da história. Disse que não era mulher de levar bolo e nunca mais atendeu às ligações do rapaz.
O garoto enlouqueceu com o duplo golpe. Fora humilhado pelos assaltantes e perdera a namorada no mesmo dia. Nunca havia lidado com emoções tão fortes. Na manhã seguinte, decidido, foi à joalheria comprar um anel de brilhantes. Aprendera, num filme antigo que havia assistido na faculdade, que os diamantes são os melhores amigos das mulheres.
Mandou entregar no endereço de Tereza, um prédio na quadra da praia. Dalila, uma senhorinha simpática que morava sozinha, não entendeu nada quando o entregador chegou com as flores e a singela caixinha, mas ficou feliz pelo anel ter entrado direitinho no seu dedo.

domingo, maio 14, 2006

Medalha de prata

O celular fez um barulho avisando que havia mensagem de texto, “porque há coisas mais fáceis de se escrever do que se dizer”, pensou a garota. Tinha acabado de acabar de sair da adolescência e estava aprendendo que havia mais espinhos no mundo do que rosas em seu jardim. A mensagem não era dele, o que a fez ter raiva daquele toque de mensagens que costumava soar tão belo aos seus ouvidos, porque sempre trazia palavras doces, às vezes até picantes. Essa era do outro, o que ela não ligava. O outro ligava até demais e ela não gostava das coisas fáceis, mas também não gostava de passar fome.
Desejou que o outro sofresse como ela sofria agora, porque se todos estivessem sofrendo, ela se sentiria parte do mundo. Logo ela que se preocupava demais em não fazer os outros sofrerem, mesmo que isso lhe custasse uma suave auto-mutilação, o que acontecia quase diariamente. A mensagem dizia “esquece essa febre e vamos sair”, e não era a primeira vez que ele a importunava no dia. Não aceitou o não, sem saber que mesmo sem febre ela estaria com febre.
Estava chorando muito, seus olhos antes amendoados tinham tomado uma forma esquisitíssima, quase oriental. Por que ele - não o outro - conseguia dar lhe facadas no peito como se falasse de flores? Tudo tão claro em palavras tão reconfortantes. “Pode contar comigo, respeito qualquer decisão que você tomar”. Aquele dia ela estava certa que o ia colocar no bolso dos esquecimentos, mas sabia que daqui uns dias ia ser como achar dinheiro em roupas não lavadas.
Pensou em pegar o carro, sair por aí, comprar um cigarro, tomar uma cerveja, sair correndo, fazer qualquer coisa que lhe desse mínimo prazer, nem que fosse o prazer do proibido, que era exatamente o que acabara de perder a razão em relação a ele - não o outro. Descobriu que os sentimentos geralmente vêm em opostos similares. Aquela dor era o amor que não conseguiu virar som e explodiu em água. Não conseguiu virar som, nos dois lados um estéreo mudo.
Ele - não o outro - disse que ela podia contar com ele num tom de voz que selava a verdade. Para ele, a clandestinidade dos dois estava perfeita e cômoda, e não ia mover uma palha leve para continuar com ela caso ela resolvesse obrigá-lo a escolher. A escolha já estava feita e era isso que doía. Era a sensação dos vices.
Para que serve um vice? - se perguntava. Sabia que quando o presidente viajava o vice que assumia, e para ela isso fazia todo sentido. Sabia que o Vasco era famoso por ter sido muitas vezes vice, mas não se importava, pois não era vascaína e agora muito menos iria o ser.
“Cruz de Malta é o caralho, essa eu não carrego nem fodendo” pensou já sem nenhuma censura, tomando um gosto pela raiva e pelo prazer de poder ferir o mundo, para que assim ela fizesse parte dele.
Adormeceu ali naquela poça de lágrimas e acordou com o nariz entupido.