domingo, agosto 27, 2006

Por favor é o caralho

Ela prendia os cabelos num rabo de cavalo baixo e sentava na última fileira. Rezava para a professora não lhe pedir que respondesse nenhuma pergunta na classe. Não que não soubesse, ela sabia até demais, mas qualquer movimento que trouxesse holofotes era perigoso.
Ela se escondia e tinha medo. Medo das pessoas que cresciam como monumento.
O problema é que por isso mesmo cada vez que sua voz era ouvida todos se voltavam para ela. Ela odiava. Tinha medo de falar besteira e ser crucificada.
Aos poucos foi surgindo a raiva do medo.
O problema é que a raiva não mata o medo, mas já era alguma esperança para aquela pobre alma cujo corpo apagado não comportava.
Ela se comportava demais de maneira que qualquer decote era visto como ofensa. Ela era assunto. A raiva do medo se transformou num invólucro de angústia que não arrebentava por mais que ela racionalizasse.
Tinha certeza que a razão era anã perto das emoções, um muro que escolhe se a inteligência vai atravessar ou não para o outro lado.

Um dia ela resolveu tentar. Queria viver, caramba! Passar por essa vida em tons de bege já era inaceitável. Era difícil, a voz que cantava gagejava mas ela cantava assim mesmo. Falava besteira e os outros não riam, era horrível, mas passava.
Vestiu mil personagens até se cansar de encenar e não saber mais quem era. Descobriu que tudo que ela criava tinha que ser de alguma forma seu, e isso lhe deu algum alento.
Ela pedia desculpa quando acertava e os elogios eram muito desconfortáveis.

Por quê meu Deus!

Porque viver num mundo pedindo licença! Por que cobrar juros tão altos por respirar, isso não era privilégio seu.
Queria que o ar fosse mais doce e leve. Porque inventar tanto peso pra carregar? Os pesos de verdade haveriam de vir e vieram. Queria criar músculos.

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